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Parque Nacional da Lagoa do Peixe

No sul do Brasil, o motociclista Rodrigo Tristão de Almeida conheceu as Lagoas do Peixe e do Pato. Mas acima de tudo vivenciou verdadeiras amizades

Texto e fotos: Rodrigo Octávio Tristão de Almeida

Confira a Parte 1 do roteiro.

SURPRESAS

Parti na manhã seguinte para o Parque Nacional. Tomei a cautela de deixar meu itinerário e o horário estimado de volta na pousada, deixando claro que, se eu não retornasse até o meio da tarde, era para alguém ir me resgatar. O dono da pousada tinha jipe 4×4 e poderia fazer isso.

Percorri uns 10 km na estrada de asfalto no sentido do município de Mostardas, até chegar à entrada de uma estrada de terra, onde há uma placa sinalizadora do Parque Nacional. Eram 14 km até o oceano, seguidos de mais 12 km, pela praia, até a barra da Lagoa do Peixe, onde ela se encontrava com o mar.

Logo percebi que a estrada era difícil. Eu tinha que ir com muita cautela, no meio de um lamaçal misturado com areião. O chão estava bem liso e qualquer vacilo seria chão na certa. Fui bem devagar, muito tempo em primeira marcha. 6 km depois, cheguei ao território geográfico do Parque. Passei numa ponte de madeira por cima da Lagoa do Peixe e fiquei algum tempo absorvendo a quietude, ocasionalmente quebrada pelo som do vento, da água e dos pássaros. Não vi tantas aves como esperava, mas o que me deixava enfeitiçado era a distância da civilização, a impressão de entrada no mundo selvagem.

Agora era hora de atravessar as dunas, num trecho de mais ou menos 8 km, que também exigia bastante cautela, pois estava encharcado pela chuva torrencial do dia anterior. Continuei com a mesma prudência, sempre devagar. Passei por uma vila abandonada de pescadores e a vista do mar surgiu imponente, numa praia deserta que se estendia por quilômetros a perder de vista para o norte e para o sul.

Comecei a pilotar na praia, à beira do mar, vendo os pássaros darem rasantes nas ondas. Não dá para descrever a sensação de estar sozinho num lugar desses. Você olha o horizonte em todos os sentidos e simplesmente não vê uma alma. É você e a natureza, formando um elo poderoso e transformador. Avistei um lobo marinho e continuei por uns 5 km quando, subitamente, a moto afundou na areia.

ATOLADO

No começo não entendi direito o que havia acontecido. Olhei para baixo e vi que as rodas estavam semi enterradas e o motor da moto tocava a areia. Acelerei com suavidade. A moto afundou mais um pouco. Saí da moto e meus pés afundaram até quase o joelho. Aquilo parecia uma espécie de areia movediça.

Pensei nas minhas opções. Podia tentar tirar a moto dali por um tempo, ou já poderia partir em busca de ajuda. Olhei o relógio. Eram 12h30. Comecei a cavar com as mãos, tentando liberar a roda traseira e o motor. Quando eu cavava, o buraco se enchia de água. Minhas mãos já estavam cortadas de tanto atrito com a areia. Fiquei nessa atividade por uma hora e meia. A moto não saía de jeito nenhum. Às 14h00 pensei: agora tenho que ir embora, senão coloco em risco minha própria segurança.  Eram 19 km até o asfalto, o que poderia ser percorrido em umas três horas se eu alternasse corrida e caminhada.

Olhei para o mar e um receio surgiu: se a maré subisse, a moto ia começar a ser enterrada e talvez eu não a encontrasse mais. Peguei a garrafa de água e comecei a correr, preparado para encarar 19 Km, praticamente uma meia maratona.

GENTE BOA

Os ventos do sul foram camaradas. Depois de correr 5 km, cheguei à vila abandonada de pescadores. Havia um casal numa espécie de trailer. Eles estavam indo embora, mas me viram correndo e esperaram para ver o que tinha acontecido. Tive muita sorte. Se não os encontrasse ali, acredito que teria perdido a moto. Marcos e Neuza tinham uma característica parecida comigo. Nós temos uma tendência a nos afastar das cidades e das pessoas. Gostamos da natureza sem interferência humana e apreciamos uma paz que dificilmente se encontra nas inquietações dos homens urbanos.

Marcos era acostumado a fazer trilha de moto e tinha bastante experiência em atoleiros. Fomos resgatar a moto. Ele explicou a técnica para aquele tipo de situação. Enquanto uma pessoa acelera a moto de leve, a outra puxa a moto para a frente, segurando a roda dianteira e fazendo ela girar. O que vai fazer a moto sair é a tração na roda da frente. Esse é o segredo. Foi assim que conseguimos sair do atoleiro.

Foi um alívio! Decidimos percorrer juntos mais um trecho da praia, para tentar chegar à barra da Lagoa do Peixe, mas os bancos de areia começaram a ficar frequentes. O veículo do Marcos quase atolou também. Achamos melhor voltar. Marcos e Neuza foram meus salvadores e só posso dizer que sempre serei grato a eles pela forma como me ajudaram e me trataram. São amigos para a vida toda.

Quando retornei a Tavares, passei no posto de gasolina e contei aos frentistas a aventura e eles olharam assustados. Um deles me disse que já tinha sumido até caminhão ali, que havia atolado e o mar acabou enterrando. Tomei um lanche com o pessoal do posto e depois voltei para a pousada.

LAGOA DOS PATOS

A manhã seguinte seria destinada à Lagoa dos Patos, uma superfície de água de 10.144 Km2, com profundidade máxima de 7 metros. É a segunda maior laguna da América do Sul, perdendo apenas para o lago de Maracaibo, na Venezuela.

Para variar, o pessoal da cidade disse que a estradinha de terra para a lagoa era boa. Nada! É só areião. Em razão das chuvas, era areião com lama, um terreno difícil. Novamente tive que percorrer longo trecho em primeira marcha.

Depois de mais ou menos 8 quilômetros, cheguei à lagoa. Uma serenidade se destacava. A mansidão da água, numa distância grandiosa, perdia-se na linha do horizonte, jogando meus olhos para o infinito. Não dava para ver a margem do outro lado. Vários pássaros se divertiam à beira da água. Troquei uma ideia com um pescador que estava indo puxar a rede e caminhei por uma hora e meia até me aproximar de um farol. A quietude era marcante. Tirei algumas fotos, filmei e em seguida fiz um lanche. Depois comecei a voltar. Encontrei um homem que andava no rasinho da lagoa. Ele me contou que aos 40 anos tinha tido um infarto. Então decidiu mudar de vida. Comprou um terreno ali e mudou radicalmente o jeito de encarar o mundo. São histórias enriquecedoras. O que faz alguém viver ali, praticamente isolado? Só quem está lá pode saber.

Continuei a caminhada. A seguir conduzi a moto vagarosamente até Tavares, grato por um dia de tanta paz.

VOLTA

No dia seguinte me preparei para começar o retorno para casa.

Eu poderia fazer o trajeto de volta em dois dias, mas como tinha tempo, resolvi rodar cerca de 500 km por dia e viajar com bastante calma. Primeiro fui de Tavares a Lages, em Santa Catarina, num dia em que percorri 560 km. No outro dia fui de Lages a Apiaí, perfazendo mais 540 km.

Foi nesse trecho que surgiu a Serra do Rastro da Serpente, nome mais que adequado, já que o trecho tem 260 Km e mais de 1.200 curvas. Ela faz a ligação entre Curitiba, no Paraná, e Capão Bonito, em São Paulo. O trecho radical, entretanto, é entre Bocaiúva do Sul (PR) e Apiaí (SP). Esse foi o dia em que mais fiz curvas na vida. Depois cheguei a meu último dia da viagem, no qual restavam 400 km a serem percorridos até minha cidade, Descalvado (SP).

A distância era curta e a estrada era boa. Imaginei que chegaria em casa por volta da hora do almoço. Mas ainda havia uma surpresa no caminho. Cerca de 20 km antes de Tatuí, o painel da moto acendeu uma luz vermelha, indicando alta temperatura no motor.. Chequei tudo e continuei.

Depois de 5 km, a luz acendeu de novo. Parei a moto e esperei, constatando que podia ser algo sério. E assim procedi, com várias paradas, até chegar a Tatuí, onde encontrei uma concessionária. Checaram a motocicleta e viram que realmente havia um problema no arrefecimento, mas não poderia ser resolvido naquele dia. Pedi ajuda a amigos de Descalvado e eles vieram buscar a moto.. Não era o jeito triunfante de findar uma aventura, mas tudo estava bem. O que havia mesmo valido a pena foram as sensações que tive nesses quinze dias, migrando de moto por regiões paradisíacas e selvagens, conhecendo pessoas simples e solidárias, percebendo minhas reações nos momentos mais inusitados. São marcas que me acompanharão como cicatrizes que se cravam na pele. Não foi apenas bom vislumbrar penhascos colossais, cachoeiras de centenas de metros, praias selvagens e lagoas sem fim. Foi uma experiência de vida que sequer pode ser explicada. Para entender o significado disso tudo, só existe um caminho: pegar a moto e se mandar, fazendo do vento o seu amigo mais próximo.

DADOS DA VIAGEM

Moto: Yamaha XT 660Z Teneré

Rendimento da moto a 120 Km/h: 20 Km/l

Duração: 14 dias

Quilometragem: 3.600 Km

Principais pontos do roteiro:

– Urubici (SC) – Parque Nacional de São Joaquim. Inscrições Rupestres e cachoeira do Avencal.

– Cambará do Sul (RS) – Parque Nacional da Serra Geral, Parque Nacional de Aparados da Serra e Cachoeira do Venâncio.

– Tavares (RS): Parque Nacional da Lagoa do Peixe e Lagoa dos Patos.

Despesas:

Gasolina: R$ 540,00

Pousada: R$ 1.120,00

Alimentação: R$ 400,00

Total: R$ 2.060,00

Dica de segurança:

Se você estiver sozinho e quiser conhecer a região da Lagoa do Peixe, solicite em Tavares o serviço de um veículo 4×4 para levá-lo. Se estiver em duas ou mais pessoas, pode se aventurar de moto, mas deixe combinado de forma muito clara com alguém que tenha veículo 4×4 um horário para resgate, caso não voltem até determinada hora. Claro, deixe seu itinerário também.

Agradecimento:

Agradeço aos amigos Flávio Bressan Talarico, Rodrigo Lourenço, Rafael Lourenço e Régis Veronezzi, pela ajuda e apoio no momento em que tive problemas mecânicos em Tatuí.

Vídeo da viagem:

Para assistir ao vídeo desta viagem, acesse pelo youtube com as palavras: rodrigo tristão lagoa do peixe.

Viajante:

Rodrigo Octávio Tristão de Almeida

*Matéria publicada na edição #170 da revista Moto Adventure.