Rodar de moto por caminhos entre Áustria, Croácia e Eslovênia é uma experiencia sem igual. Mesmo que debaixo de chuva

Texto e fotos: Reinaldo Ópice

Confira a Parte 1 do roteiro.

RIOS, LAGOS E CACHOEIRAS

O dia seguinte amanheceu nublado e frio e saímos para visitar os lagos e cachoeiras do parque, munidos de capas de chuva e ponchos de plástico, pois sabíamos que a chuva não tardaria a cair. O parque era, sem sombra de dúvida, o ponto alto da nossa viagem. O Rio Negro e o Rio Branco, que são rios com alta concentração de minerais calcáreos, ao correr ao longo do parque foram depositando ao longo de milênios seus sedimentos que foram formando as paredes dos lagos, tal quais as paredes de uma represa. E, por entre estas paredes, a água escorre formando incontáveis cachoeiras. O visual é impressionante, com o verde intenso das águas extremamente límpidas escorrendo pelas paredes dos lagos que, ao longo do tempo, foram sendo cobertas por uma vegetação exuberante.

Para permitir a visitação, foram construídas passarelas que percorrem e cruzam os lagos e as cachoeiras, permitindo passeios que podem durar de duas a oito horas. Pena que a chuva e o céu encoberto atrapalharam o passeio, mas mesmo assim foi uma experiência incrível. Após comermos um lanche no parque, retornamos ao hotel ainda embaixo de chuva. E, com isso, foi literalmente por água abaixo o giro de moto que havíamos programado para depois do almoço.

ESPETACULAR SURPRESA

Enquanto meus colegas norte-americanos e canadenses foram jogar pôquer para passar o tempo, eu fiquei no lobby do hotel checando e-mails quando a chuva finalmente deu uma trégua. Nisso, um dos guias me perguntou se eu toparia acompanhá-lo para explorar uma estradinha que tinham visto no mapa e que estavam considerando para incluir no próximo roteiro, o que imediatamente aceitei. Tomamos a estrada de acesso do parque e logo saímos em direção a essa estradinha. No caminho, fomos atravessando pequenas propriedades rurais, onde criavam ovelhas e cultivavam batatas e, alguns quilômetros à frente, encontramos a tal estradinha. Não poderíamos ter surpresa melhor. Apesar de muito estreita, tinha acabado de ser asfaltada e via-se que seria um caminho repleto de curvas de baixa subindo morro acima.

Com o piso molhado, acionei a posição “chuva” na minha moto e saímos pilotando neste trajeto espetacular. Era uma curva atrás da outra, que estávamos fazendo em uma boa velocidade, a ponto de que várias vezes vi a luz indicadora do controle de tração acender, em função da menor aderência do asfalto molhado. À medida que subíamos a temperatura ia caindo bruscamente: 19, 17, 16, 15 e chegando a 11 graus, ao mesmo tempo em que uma neblina espessa ia encobrindo a serra. Chegamos ao cume envoltos numa densa nuvem branca, que não permitia ver muita coisa à frente.

Iniciamos a descida e logo tivemos que reduzir a marcha, pois havia muita terra e pedriscos que escorreram da encosta. Mas nem por isso a estrada deixava de ser muito prazerosa. O final da estradinha era em Donji Lapac, um pequeno vilarejo a poucos quilômetros da fronteira com a Bósnia e onde o único lugar que achamos para tomar um café era um mercadinho.

Com a temperatura ainda muito baixa e ameaçando recomeçar a chuva, decidimos voltar pela estrada principal para poder chegar mais rápido ao hotel, e faltando pouco mais de 10 quilômetros para chegar, voltou a chover. Por sorte, foi uma chuva fraca e rápida, que nos permitiu chegar secos ao hotel. E tão logo estacionamos nossas motos, a chuva desabou com muita intensidade. Parece que esta pausa na chuva havia sido programada especialmente para nos permitir este emocionante passeio.

CHUVA

Nosso último dia na Croácia foi o tempo inteiro embaixo de chuva forte. Quase todos nós estávamos equipados com roupas de chuva, exceto dois americanos que tinham somente a jaqueta impermeável, porém estavam de calça jeans. A saída para eles foi comprar aqueles ponchos descartáveis que mais parecem sacos de lixo para tentar proteger um pouco as pernas. Claro que esta solução não durou mais do que alguns poucos quilômetros, e tiveram que fazer o percurso totalmente encharcados.

O caminho que fizemos nos levou para o norte da Croácia, cruzando uma pequena serra coberta por floresta de árvores muito altas. A estradinha era uma sucessão deliciosa de curvas e o piso estava perfeito, mas a chuva incessante nos obrigava a manter velocidade reduzida para evitar deslizes. No final da serra, encontramos um restaurante típico onde estavam preparando um cordeiro inteiro colocado num rolete e que fica assando lentamente sobre brasas. Também pudemos experimentar o Cevapcici, que são rolinhos de carne acompanhados por molho à base de tomate e páprica e que reflete a influência do Império Otomano na região. Pagamos a conta com os poucos kuna restantes e nos despedimos desta moeda, pois logo adiante estaríamos cruzando a fronteira com a Eslovênia e voltando para a Comunidade Europeia.

TRECHO FINAL

O trecho final se deu por entre uma sequência de colinas cobertas por plantações de abóbora, repolho e batata. A estrada parecia uma pista de montanha russa, num sobe e desce contínuo e que convidava a dar uma enrolada no cabo. Só incomodava a chuva, que neste momento havia ficado um pouco mais fraca, e a temperatura em torno de 13 graus, que com o vento e o fato de estarmos com as roupas molhadas, passavam uma sensação de frio mais intenso que a temperatura de fato.

Finalmente chegamos ao nosso hotel na cidade de Otocec, na Eslovênia, depois de mais de 6 horas de pilotagem sob chuva. Banho tomado, roupas penduradas por todo o quarto, é a hora de confraternizar depois de mais uma etapa vencida.

Nossa saída de Otocec foi brindada por um dia nublado, mas sem chuva. Após percorrermos um pequeno trecho da autoestrada, logo rumamos para uma estrada vicinal que nos levou para o interior da Eslovênia, por entre campos cultivados e pequenas casas rurais, nos contrafortes das montanhas e acompanhando o curso de um rio com forte correnteza e muitas pedras, que é muito apreciado pelos praticantes de rafting e canoagem, além de pesca de fly, dada a quantidade de trutas nas suas águas. A beleza da paisagem disputava a atenção com a pilotagem, que naquela temperatura de 12 graus, porém sem chuva, proporcionava um grande prazer.

Paramos num pequeno café frequentando por motociclistas para um rápido descanso e nos aquecer com um expresso. Deste trecho em diante, começamos a subir em direção ao passo Seebergsattel, que marca a divisa da Eslováquia com a Áustria.

Agora num percurso mais sinuoso, continuamos nosso caminho e neste trecho o que chamou a atenção foram as grandes plantações de lúpulo, cujas flores secas e moídas são utilizadas na fabricação da cerveja e que tem um intenso amargor. E no meio desta paisagem idílica, paramos num restaurante onde no cardápio já se podia notar a influência da proximidade com a Áustria.

Saindo do restaurante, gradualmente as curvas foram se acentuando e se tornando mais fechadas. Estávamos começando a subir em direção ao passo Seebergsattel. O tempo firme e um pouco mais aberto convidavam a uma pilotagem mais esportiva, porém com algumas paradas ao longo do caminho para admirar a beleza do vale e das montanhas em volta.

Logo cruzávamos a divisa com a Áustria, a cerca de 1.500 metros de altitude e começamos a descer, novamente aproveitando as inumeráveis curvas do trajeto. Terminada a descida, já estávamos nos aproximando do nosso hotel em Klagenfurt e do final da viagem. A alegria e satisfação do passeio se misturavam com o pesar de saber que estávamos terminando este giro pela região do Adriático e das montanhas Balcãs. Um fabuloso passeio, que deixará boas lembranças.

*Matéria publicada na edição #169 da revista Moto Adventure.